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Documento de Constituição da Liga Interescolas por Equidade Racial

 

INTRODUÇÃO
 

A Liga Interescolas tem como objetivo: estimular e auxiliar os seus Participantes na construção de uma educação antirracista, a partir do alcance das Diretrizes abaixo descritas, tornando a comunidade escolar um espaço de referência para o combate do racismo estrutural; garantindo equidade racial nas escolas particulares.


A Liga é composta por pais, mães e responsáveis por alunes de escolas particulares, que representam grupos engajados na luta antirracista em cada escola, organizados formalmente ou não, ora denominados Participantes. A Liga é uma instituição aberta a novos Participantes alinhados a suas Diretrizes.


Pais, mães e responsáveis que ingressem de forma isolada na Liga serão considerados Ouvintes, sem direito a voto, até que reúnam as condições acima descritas, necessárias para serem considerados Participantes.


Para alcançar os objetivos acima descritos, os Participantes da Liga devem estar de acordo com as premissas, princípios e valores, regras de governança e terem como meta alcançar as diretrizes de base.

 


PREMISSAS


RACISMO ESTRUTURAL – Entendemos que o problema do racismo na sociedade brasileira é estrutural. Isto quer dizer que compreendemos que, no Brasil, nossa organização se assenta social, econômica e politicamente, em termos de linguagem, costumes e representações, em práticas institucionais e em políticas públicas que ratificam, promovem e perpetuam a desigualdade de grupos racializados dentro da nossa sociedade. Essa desigualdade não é pontual, mas estrutural no sentido de que privilegia transversalmente todas e todos associados à Branquitude através da violência e da opressão da população negra.


INTERSECCIONALIDADE - O racismo como fenômeno estrutural e estruturante da nossa sociedade está conectado a outras categorias de opressão que derivam, alimentam e estão intimamente ligadas à problemática racial. O combate à desigualdade de raça é também a busca da redução das desigualdades sociais e de gênero. Por essa razão, na visão interseccional, o combate ao racismo, por meio da adoção de práticas antirracistas eficazes, é instrumento que deve promover de forma simultânea a diminuição das opressões de classe, gênero, orientação sexual e contra pessoas com deficiência, presentes na sociedade e, por conseguinte, nas escolas brasileiras.


EDUCAÇÃO – A Educação, diferente do ensino, é um bem público e um direito. Somos, por ora, comunidades de famílias inseridas no ensino particular, mas compreendemos que a Educação de qualidade é um dos pilares de uma nação e deve ser um direito de todos e, portanto, precisa ser defendida coletivamente. Por mais progressista que seja o ensino, acreditamos que enquanto não houver equidade racial nas escolas não haverá projeto político-pedagógico democrático que sustente nosso ideal de Educação.


MOVIMENTO NEGRO - Os movimentos negros atravessam a História do Brasil, se organizando, denunciando a violência e a opressão sofrida e resistindo. Reconhecemos a sua importância fundamental e compreendemos que devem ter um lugar privilegiado de fala e atuação na condução da luta pela desconstrução do racismo estrutural. Os movimentos negros sempre foram os protagonistas desta luta e as ações de combate ao racismo estrutural devem contribuir para reforçar este protagonismo.


BRANQUITUDE – A Branquitude, embora diversa, refere-se a uma identidade racial branca construída socialmente, que cria e perpetua privilégios simbólicos, subjetivos e objetivos para os brancos em seu próprio benefício e em detrimento dos demais grupos racializados, notadamente os negros e povos originários, contribuindo para a montagem e reprodução do racismo estrutural. Reconhecemos o status de poder que a Branquitude concede a um grupo e defendemos que ela adote uma postura crítica, assumindo a responsabilidade - a partir do seu lugar de fala - pelo seu papel político e pedagógico na desconstrução da desigualdade racial em nossa sociedade.


PRÁTICAS ANTIRRACISTAS E SEUS FUNDAMENTOS – Práticas Antirracistas são ações estruturadas, intencionais, propositivas e reparatórias, que possuem como objetivo a desconstrução das estruturas impregnadas pelo racismo, a fim de que a população negra se veja representada quantitativamente nos extratos sociais, especialmente nas esferas de poder. Referidas Práticas Antirracistas devem estar fundamentadas nos marcos legais instituídos pelas Leis 10.639/03, 11.645/08 e 12.288/10, e devem valorizar o pensamento, as ideias e as conquistas dos intelectuais e lideranças dos Movimentos Negros.


POLÍTICAS AFIRMATIVAS - São medidas especiais de políticas públicas e/ou ações privadas de cunho temporário ou não. Tais medidas pressupõem uma reparação histórica de desigualdades e desvantagens acumuladas e vivenciadas por um grupo racial ou étnico, de modo que essas medidas aumentam e facilitam o acesso desses grupos, garantindo a igualdade de oportunidade.

 


PRINCÍPIOS/VALORES


Princípios Democrático e da Transparência - Com base no Princípio Democrático, a Liga assume o compromisso de valorizar a participação de todos os Participantes, por meio da busca do consenso e da justiça na tomada de decisões, que deverão ser orientadas para o alcance das suas Diretrizes. Entende-se como Princípio da Transparência, o respeito às regras de Governança no processo decisório, devendo ser privilegiada a explicitação das motivações e a garantia de amplo acesso às informações aos seus Participantes.


Princípios da Autonomia e da Isonomia - Os Participantes terão autonomia no processo de articulação e implementação das diretrizes em suas escolas, lhes sendo garantido o debate autônomo de ideias, dentro e fora da Liga, acerca das práticas antirracistas adotadas pela Liga e pelos Participantes. É garantida aos Participantes a isonomia na sua atuação no âmbito da Liga, respeitando-se, porém, a Diretriz nº 4, em caso de divergência.
Princípio do Diálogo Institucional – A Liga se compromete a estabelecer um diálogo institucional com a Escola, a sociedade civil e os movimentos sociais organizados, principalmente os Movimentos Negros organizados, para ampliar a troca de informações, reforçar e apoiar atos e mobilizações com foco em Práticas Antirracistas. A Liga se dispõe a atuar na interlocução com o Poder Público, visando contribuir ativamente na formulação e implementação de políticas públicas e demais arcabouços legais com foco antirracista, desde que alinhadas aos Objetivos, Premissas e Diretrizes ora definidas no presente documento.


Princípio da Intervenção Processual e Contínua – A Liga entende que a sua intervenção social, bem como a de seus Participantes, perante as escolas, deve ser processual e contínua, sendo parte inerente da implementação e acompanhamento das diretrizes de base abaixo descritas.


Princípio da Atuação Sistêmica e Transversal - A metodologia adotada pela Liga, dentro dos seus limites de atuação, passará pela utilização de uma abordagem sistêmica e transversal abarcando todas as estruturas da comunidade escolar.


Princípio da Intervenção Participativa - A forma e o conteúdo das ações da Liga resultarão da confluência de saberes e da participação de toda a comunidade escolar, esta entendida como os estudantes, seus responsáveis, corpo diretivo, docentes e demais funcionários das escolas.

 


DIRETRIZES DE BASE DA LIGA


As Diretrizes abaixo possuem caráter reparatório, normativo e processual, o que implica afirmar que, ao passo que servem como norte de atuação para os Participantes nas suas respectivas comunidades escolares e visam reparar os danos causados pelo racismo estrutural, a sua implementação poderá se dar de forma paulatina, considerando as peculiaridades de cada uma dessas comunidades:


1. Ampliar em todas as escolas a representatividade negra em sua estrutura discente, docente e diretiva, tendo como referência o percentual de 54% de pretos e pardos apreendido no censo demográfico nacional vigente.
 

2. Promover a revisão do currículo escolar de forma a ver nele refletida a importância da cultura africana e afro-brasileira, para além do cumprimento formal da Lei 11.645/08, privilegiando uma visão decolonial e investindo na formação antirracista do corpo docente. Revisão bibliográfica, incluindo autores negros e negras em todas as áreas do conhecimento e em todos os segmentos.
 

3. Preparar a comunidade escolar para garantir a mediação de conflitos e acolhimento das famílias negras, com intuito de aprofundar a qualidade das relações étnico-raciais.
 

4. Garantir e valorizar o protagonismo negro na luta e na adoção de práticas Antirracistas, pelos Participantes da Liga, na atuação perante as escolas, e pela Liga, nas suas ações internas e manifestações públicas, que nesse caso deverão respeitar a regra de Governança nº 3. Referido protagonismo negro consiste também na pauta de ações que contemplem as conquistas históricas já alcançadas pelos Movimentos Negros.


GOVERNANÇA
 

1. A Liga é uma organização de cunho permanente e suas deliberações serão tomadas em reuniões periódicas.
 

2. As deliberações da Liga resultarão de votação da maioria absoluta dos Participantes presentes nas reuniões, respeitando-se, porém, a Diretriz nº 4, em caso de divergência. A forma de equalização para a busca do cumprimento da Diretriz nº 4 deverá constar do Regimento Interno a ser elaborado pelos Participantes da Liga.
 

3. Como forma de cumprir os termos da Diretriz nº 4, a Liga estabelece que o protagonismo negro será respeitado, de modo que seja garantida, dentre os seus Participantes, a presença de pessoas negras em percentual mínimo de 50%, nas manifestações e aparições públicas da Liga.
 

4. Como forma de sistematizar e acompanhar a efetividade das suas ações e dos Participantes em suas Escolas, a Liga pretende desenvolver e compartilhar um protocolo central de boas práticas.
 

5. A Liga se compromete a dar todo o suporte que estiver ao seu alcance aos Ouvintes e Participantes não estruturados formalmente para que se organizem de modo estruturado, por meio de grupos antirracistas de pais, mães e responsáveis por alunes, mobilizados em cada escola.
 

6. A Liga, por entender como prioritária a promoção de um debate constante e aprofundado sobre o racismo estrutural e sobre as práticas antirracistas, se compromete a criar espaços de discussão e letramento não só para os seus Participantes e Ouvintes, mas que envolva toda a comunidade escolar.
 

7. Para ingresso do Participante na Liga será necessária assinatura do presente documento, para que haja a formalização da aceitação e comprometimento com os seus termos. Da mesma forma, a saída voluntária do Participante se dará por meio da apresentação de documento escrito nesse sentido.

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